É rotina do passageiro ter seu voo cancelado ou alterado pelas empresas aéreas, mas essa situação se agravou durante a pandemia.
Por um longo período a maioria dos voos foram cancelados e/ou alterados - não só no Brasil, mas no mundo -, em razão da COVID-19, que provocou uma crise sanitária mundial, é verdade, mas passada a desordem inicial, a situação ainda é recorrente.
Em tempos normais, em casos semelhantes, o passageiro ingressava com ação indenizatória buscando compensação pelos danos sofridos, seja moral ou material, e a depender do caso em concreto, especialmente em cancelamento injustificado e atraso superior a 04 (quatro) horas, ganhava a demanda e era indenizado.
Porém, diante do cenário atual, será que o passageiro terá direito a indenização?
Pois bem, é de se considerar o que passa o passageiro/consumidor ante do caso em concreto, e que usualmente vem sendo de certa forma relativizado pelos entendimentos dos tribunais, agora também pelos poderes Legislativo e Executivo.
A primeira reação para amenizar e evitar futuros problemas – especialmente para as empresas – foi normatizar, com a entrada em vigor da Medida Provisória nº 925, de 18 de março de 2020, e no dia 05 de agosto do mesmo ano, foi sancionada Lei nº 14.034/20.
A referida Lei não só trouxe algumas normas para lidar com a situação específica da pandemia, mas, para além disso, afetou abruptamente o direito dos consumidores de transporte aéreo.
Algumas das regras são:
Se a empresa cancela os bilhetes em decorrência da pandemia, o passageiro poderá optar por receber um crédito e terá 18 meses para outra viagem;
Se o cancelamento é feito pela companhia, o passageiro tem a opção de reembolso integral do valor em até 12 meses, corrigido monetariamente, sem multa;
Sendo a compra de forma parcelada, poderá requerer a suspensão dos vencimentos futuros, sem prejuízo dos valores já pagos;
Se o cancelamento for solicitado pelo passageiro, independente do motivo, este estará sujeito as taxas de cancelamento se solicitar o reembolso, ou se aceitar o crédito será correspondente ao valor total da passagem, para utilização em 18 meses;
Além dos pontos apresentados acima, a referida norma promoveu duas alterações que prejudicam ainda mais o passageiro, estabelecendo que é dele o dever de provar dano extrapatrimonial decorrente da falha de prestação de serviço, demonstrando o prejuízo e sua extensão, bem como, ao criar hipóteses de caso fortuito ou força maior quando há restrição de pouso ou decolagem por condições meteorológicas adversas ou indisponibilidade de infraestrutura aeroportuária.
Percebe-se, mesmo que numa breve análise, a redução aos direitos dos passageiros é grande, bem como, é a redução dos deveres dos transportadores.
Ocorre que mesmo diante das normativas estabelecidas, é preciso contextualizar para compreender o que sente o passageiro quando tem seus direitos atingidos.
Nota-se que cada vez mais a responsabilidade é retirada das companhias e passada aos passageiros.
Nos aeroportos, a tendência para balcões de atendimento e despache de bagagem é layout em branco, muda de acordo com horários dos voos e as companhias que vão usá-los.
As placas de identificação das companhias são colocadas algumas horas antes do embarque para realização de check-in e despache de bagagem, logo após o período são retiradas, e na sequência ocupadas por outra empresa.
Há também totens de autoatendimento que possibilitam até a impressão das etiquetas das bagagens, que depois só precisam ser entregues ao representante da empresa para despache. Em alguns lugares, já nem isso é preciso, basta colocar a mala identificada em uma esteira ela será enviada ao voo correspondente.
Veja-se, o acesso a informação junto a companhia fica cada vez mais distante e trabalhoso, pois o ambiente não conta mais com a presença efetiva dela.
Acontecendo qualquer coisa relacionada ao voo, é o passageiro que tem que sair em busca no aeroporto de um guichê, ou entrar em contato com a central de atendimento através de ligações, e-mail e aplicativo, o que nunca é uma missão fácil.
Há também alguns fatores que são pouco falados. É natural uma tensão pré-voo, as pessoas chegam tensas para voar, pois há um medo inconsciente, de um risco real, que se o avião tiver algum problema, algo de muito grave pode acontecer.
Perceba, não é à toa que as livrarias presentes nos aeroportos mantêm bem expostos livros de autoajuda em suas vitrines.
Acrescente o receio vivido pelo consumidor, que necessita preservar a sua saúde, mas ao viajar durante a pandemia, estará em locais de rápida propagação do vírus como os aeroportos e as aeronaves.
Agora imagine isso fora do nosso país, em local desconhecido, com língua diferente, em trânsito entre uma conexão e outra, sem a mínima assistência necessária.
Ou ainda, o passageiro confere o aplicativo e seu voo de retorno para casa está marcado, com check-in disponível, mas ele opta por fazê-lo no aeroporto, como sempre fez, mas chegando lá é surpreendido e não avista os funcionários da empresa.
Em busca de informação, não encontra ninguém, era um voo noturno e não há guichê aberto fora do horário comercial.
Ele liga pro call center e descobre que seu voo foi cancelado, pois o aeroporto de destino não está operando, todavia, não foi avisado previamente disso.
Então é obrigado a alterar seu destino e chegar em uma cidade próxima, além de arcar com as despesas de deslocamento.
Tal situação não é um exercício de imaginação, é o que vem acontecendo constantemente, e agora, nos parece protegida pela legislação que entrou em vigor.
No judiciário, as demandas a respeito do tema ainda estão em fase inicial, por isso ainda pende julgamento, e a resposta só virá daqui a algum tempo.
Porém, de poucas decisões que já saíram observa-se que há julgamentos que aplicam o disposto pela legislação nova, entendendo, por exemplo, que diante da necessidade de readequação da malha aérea para atender a segurança do passageiro, não se pode atribuir a responsabilidade a empresa.
Noutro ponto, também há julgado que condenou a companhia a indenizar o passageiro, pois diante do cancelamento do voo não prestou a devida assistência, tanto de informação quanto de realocação em outro voo.
Ademais, é comum encontrar nas ações já em andamento, pedidos das companhias para suspender o pagamento da indenização, ou outra que obsta o regular andamento do processo, utilizando como defesa os prejuízos sofridos pela empresa e a falta de receita.
Veja-se, é evidente o comportamento das companhias aéreas em aproveitar-se da situação atual.
Apesar das alegações de prejuízos das empresas aéreas, a jurisprudência considera o consumidor a parte vulnerável da relação contratual. Portanto é preciso lembrar a relação de hipossuficiência do passageiro.
Acredita-se que o dano moral, diversamente do dano material que facilmente é demonstrado por prova documental, ganha dificuldade extra de ser conquistado, pois em razão de sua natureza, não é prova fácil de se produzir.
A par das considerações anteriores, sobre a tensão e as dificuldades já existentes, dado que as empresas despersonificam cada vez mais os seus serviços, de um lado dando “autonomia” aos passageiros, ao passo que diminuem suas responsabilidades, acrescido do auxílio que recebem da legislação, parece manifesto que há um desequilíbrio entre as partes.
Espera-se que o judiciário cumpra seu papel de assegurar a defesa ao consumidor, e entenda que há insegurança e apreensão do passageiro quando há descaso das empresas aéreas, principalmente quando há falha na prestação de serviço por não fornecem informações necessárias ou não auxiliarem na solução do problema.
Não sendo assim, o ponto central possivelmente será: como provar a insegurança e apreensão do passageiro?
Na jurisprudência, muitos fatos envolvendo direito do passageiro, especialmente por se tratar de relação de consumo, tem dano presumido, ou seja, o próprio fato configura o dano, por consequência o direito a indenização.
Assim, em que pese tratado de forma diversa pela nova legislação, espera-se que os tribunais reestabeleçam ao menos o equilíbrio entre as partes, atentando-se pela vulnerabilidade do consumidor.
Portanto, você passageiro que passou por situação de cancelamento ou alteração do voo, que tenha se sentido prejudicado, não teve a devida assistência pela empresa, é seu direito pleitear indenização, seja material ou moral, pelos danos que lhe foram causados, porém, diante das dificuldades introduzidas pela nova legislação, procure um Advogado de confiança, para que verifique o caso em concreto e lhe auxilie sobre a viabilidade da ação.
Elaborado por: Lucas Vilela Ferreira